Ficha técnica:
Filme: “Match Point”
Roteiro e Direção: Woody Allen
Produção: BBC Films
Ano: 2005
Com Scarlett Johansson e Jonathan Rhys Meyers
Indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original em 2006
Indicado ao Globo de Ouro nas categorias Melhor Filme – Drama, Melhor Diretor, Melhor Atriz Coadjuvante (Scarlett Johansson) e Melhor Roteiro em 2006
Indicação ao César de Melhor Filme Estrangeiro
Vencedor do Goya de Melhor Filme Europeu
Sorte ou Revés, escolha você!
Woddy Allen não é considerado um queridinho dos críticos, o que dirá da Academia que elege os melhores do ano com o Oscar. Mas para ele isso não importa e nunca importará. A prova de que Allen diversifica sem medo de errar está em Match Point. Desde Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) o diretor gravava a maioria de seus filmes em Nova Iorque. Porém desta vez, Allen retrata o cenário da Inglaterra aristocrata e bem sucedida num filme cheio de diálogos silenciosos, humor negro e referências aos seus ídolos.
Match Point é um filme de suspense com final excitante, e conflito verossímil para um protagonista levemente psicopata. Mas que Allen consegue transformá-lo num quase herói da resistência.
As músicas clássicas, especificamente óperas, embalam o sono, desejo e culpa do protagonista Chris Wilton, vivido pelo novato Jonathan Rhys Meyers. O diretor mantém a característica de escolher pessoalmente a trilha, que de fato é fabulosa e bem colocada. A cada compasso mais rápido e forte da música, o espectador pode sentir o coração batendo no mesmo compasso e a adrenalina vibrando nas veias do esperto ex-jogador de tênis. Aliás, o filme todo é assim, tão envolvente, com um ritmo próprio. O espectador vai se envolvendo com a história numa rapidez alucinante, sem saber o que vai acontecer depois.
Esse filme, como muitos outros de Woody Allen, fala sobre a relação entre a sorte e o azar. Desde 1990, com Simplesmente Alice, ele flerta com o ilusionismo e jogos de azar. No caso aqui descrito esse jogo é retratado pelo tênis, em que o jogador pode dar a sorte da bolinha cair para o lado certo, ou para o lado errado da rede. Mas isso também depende do ponto de vista. O narrador de Match Point é Chris Wilton. Ele relata os acontecimentos chegando até a fazer confissões, onde a situação sorte X azar é explicitada.
Vamos ao enredo: Chris é um jovem rapaz irlandês que chega a Londres em busca de uma vida melhor. Consegue um emprego de instrutor de tênis num clube rico da região e lá conhece o simpático Tom. Chris é gentil, bem educado e culto: aparece em certa cena lendo Crime e Castigo de Dostoevskii, numa referência clara do autor à trama e à seus gostos pessoais. Os dois jovens se tornam amigos e Tom apresenta a sua irmã mais nova, Chloe, ao instrutor, que se interessa por ele no instante.
É a deixa que o personagem precisava para adentrar naquela família rica. Ele começa a cativar Chloe com flores, em conversas sobre arte e idas a concertos de ópera. Os dois passam a se encontrar sempre para passear e conversar e os pontos turísticos de Londres são mostrados provando que Allen assumiu o seu amor pelas belas paisagens européias. Tudo isso, com uma fotografia impecável. Chloe e Chris engatam um namoro bem providencial, já que Chris em instantes assume um cargo na empresa do pai de Chloe, a pedido da moça, claro.
A trama se desenrola até o encontro dos casais Chris e Chloe, e Tom e Nola. Esta última, vivida por Scarlett Johansson, desperta em Chris desejos até então sossegados. Será neste filme que a parceria da atriz com o diretor se inicia e vai durar até hoje, vide o último filme dele, Vicky Cristina Barcelona (2008).
O tempo passa, os casais seguem namorando, mas Chris sempre lembra da importância da sorte na vida de uma pessoa. Ele mesmo fala isso numa conversa na roda de amigos. Um dia, ele encontra com Nola na rua e os dois passam a tarde juntos. Neste momento, Chris deixa claro as suas intenções sobre a quase cunhada, que disfarça e insinua o passo ruim que os dois tomariam se optassem pelo desejo dele.
Até que num final de semana na casa de campo da família, Nola discute com a futura sogra sobre suas ambições profissionais e sai na chuva, em direção ao campo. Chris que já estava alerta para uma possibilidade, sai ao seu encontro e acaba conseguindo o que tanto desejava: os dois transam embaixo de uma forte chuva e escondidos no jardim da mansão. Porém, o relacionamento não vai adiante neste momento e Chris acaba se casando com Chloe. O ambiente bucólico da casa de campo da família de Chloe e Tom é reincidente nas obras do autor, como em Sonhos Eróticos de Uma Noite de Verão (1982) apesar da aversão de Allen a esse tipo de propriedade.
O playboy Tom logo se desinteressa da namorada, e Chris ao saber, sai em sua procura. Certo dia, numa exposição de arte, o já empreendedor funcionário da empresa da família vê Nola e corre ao seu encontro, implorando por seu telefone. E ai, começa o romance extra-conjugal de Chris e Nola. Há um momento de transformação e o personagem passa a adotar outra postura. Enquanto que em casa é distante, com a amante é presente e preocupado. A pobre Chloe, sempre tentando engravidar, não percebe essas mudanças, e sempre se vê as voltas com os problemas que a falta do filho lhe traz.
Se olharmos mais minuciosamente para o filme, percebemos que Allen deixa rastros do que está por vir. Seja na fala do protagonista em ter ou não sorte na vida, seja nas informações que a amante Nola passa, como a de que o prédio onde mora não é tão bom, já tendo casos de assalto, ou ainda, quando Chris e o sogro conversam na sala de armas na mansão. Mas o estalo no espectador só virá mais tarde, já próximo do fim.
As passagens de tempo, neste momento da obra, ficam mais sutis, como a neve que ora cai e as flores que ora florescem, indicando a chegada da primavera. O relacionamento furtivo entre os dois segue bem até a gravidez de Nola. Chris se revolta, pede para a amante abortar, e esta se nega. Ele tenta se distanciar de Nola, com medo de que a sua boa vida com Chloe acabe caso descubram. Se torna mais presente com a mulher que tanto se cobra de uma gravidez que não chega nunca.
A situação entre os dois amantes começa a ficar insustentável quando Nola pressiona o namorado a se separar da esposa. Chris então, planeja o fim. E numa viagem a mansão bucólica, pega uma arma escondida. É chegado o clímax do filme, em que Chris segue até o prédio de Nola e entra na casa da vizinha para esperar a chegada da aspirante à atriz. Mata então a senhora que lhe abre a porta e bagunça a casa, para fingir um assalto seguido de morte. Rouba também algumas jóias da velha mulher, inclusive sua aliança. Essa é a peça principal para a sorte de Chris. Quando Nola chega no prédio, Chris atira a queima roupa e acaba com a situação perigosa. Ele foge e se encaminha para um encontro com Chloe. Eles assistem a um musical e Chris finge que nada aconteceu. Até que os detetives que investigam o caso procuram por ele, por causa do diário que Nola mantinha e onde descrevia o relacionamento. No filme Crimes e Pecados (1989), também de Allen, o protagonista reflete sobre a conveniência de eliminar a amante que ameaça sua vida estabelecida. Já em Match Point, o protagonista idealiza, projeta e realiza o ato.
Chloe descobre que está grávida e conta para a mãe ao mesmo tempo em que Chris devolve a arma do crime ao local de origem. Ao ser contactado pelos policiais, finge se desesperar no depoimento, mas não sem antes ter ido até um rio e se livrado de todas as jóias que roubou da velha senhora. (Provas do seu feito.) Por último, quando já estava saindo da ponte, ele joga a aliança da mulher que como a bolinha de tênis bate na mureta e cai no chão (e não no rio). Momento de forte tensão já que o espectador não entende se aquilo será de sorte ou de azar para o jovem traidor. A câmera fica lenta e a ópera ao fundo aumenta.
Durante a noite, Chris tem um pesadelo com Nola e a vizinha que matou. Elas questionam o por quê das mortes. E como todo psicopata, sem remorso ele explica que aquilo foi necessário citando Sófocles. O protagonista assume seus conflitos e percebe seus erros, para o espectador durante a narração, mas segue em frente. Segundo psicanalistas, o psicopata é inteligente o bastante para enganar as outras pessoas. Eles geralmente são muito sedutores, e de uma frieza e a falta de sentimentos de culpa absolutos.
No dia seguinte, como mais uma dessas reviravoltas do thriller, o detetive chega a delegacia contando para o investigador todo o ocorrido e como se num passe de mágica, ou melhor, num sonho, tudo aquilo tivesse vindo para a sua cabeça. Entretanto o investigador dá-lhe a nova notícia: um viciado em drogas foi encontrado naquela manhã com a aliança da velha senhora no bolso.
Nasce o bebê de Chloe e tudo que o pai Chris consegue lhe desejar é sorte. Muita sorte.
Match Point questiona não somente o sistema, mas as relações que criamos e as pessoas que convivemos. Podemos estar atentos a tudo que acontece ao nosso redor e mesmo assim não percebemos o psicopata que está ao nosso lado? O drama de Allen passa longe das comédias. É um bom filme, envolvente e verossímil. Merecia o prêmio da Academia.
Bibliografia:
BARBOSA, Neusa. Woody Allen. São Paulo: Editora Papagaio, 2002. 1ª edição. Gente de Cinema
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2008.
Fontes:
MONTEIRO, Ary Jr. Ponto Final – Match Point. Publicado em 12 de fevereiro de 2006. http://www.cineplayers.com/critica.php?id=650 – acesso em 19/03/09
VSL. Crítica – Match Point. Publicado em 30 de novembro de 2007. http://portalcinema.blogspot.com/2007/11/critica-match-point.html - acesso em 19/03/09
CARREIRO, Rodrigo. Match Point. Publicado em 7 de janeiro de 2007. http://www.cinereporter.com.br/dvd/match-point/ - acesso em 19/03/09
PEREIRA, Miguel Lourenço. Match Point – Crime sem castigo. Publicado em 19 de janeiro de 2006. http://hollywood.weblog.com.pt/arquivo/2006/01/match_point_cri.html - acesso em 19/03/09
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Abril 2009
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